DIFERENTES VELHICES
As famílias mudam ao longo do tempo, assim como crenças e valores de determinadas gerações. Tais aspectos sócio culturais são extremamente relevantes no enfrentamento da velhice.
A velhice pode ser encarada como uma boa fase, com mais ganhos que perdas, quando o indivíduo goza de boa saúde física, cognição preservada e boas relações sociais.
Entretanto o acúmulo de declínios do envelhecimento pode resultar em forma de patologias, que comprometem a realização de atividades de vida diária, tiram a independência e passam a ser um peso para a família. Quando este tipo de situação ocorre, há várias consequências, o idoso até então independente, necessita agora de um terceiro, seja um familiar ou um cuidador formal. De qualquer forma, a família se vê em uma nova configuração e é obrigada a se unir para melhor prover a este idoso, recursos para sua recuperação ou para o cuidado a uma situação não reversível.
De acordo a heterogeneidade das pessoas e suas relações, inclusive familiares, não há um padrão para este cuidado. Cada família se distribui como pode, com arranjos próprios e divisão de responsabilidade ou até omissão dela para com o idoso necessitado.
Antes de julgar os diversos tipos de cuidados ou a omissão deste, é importante salientar que cada indivíduo constrói sua história de vida e desta forma cria diversos laços e relações sociais entre amigos, parentes e vizinhos. É fato que a velhice é o resultado desta caminhada, mas muitos daqueles que não construíram fortes laços ao longo da vida, hoje vivem na solidão.
SOLIDÃO x ABANDONO
A solidão pode ser vista de diversas formas, mas para os idosos, esta solidão é sentida como abandono. E a partir desta compreensão de não estar só, mas sentir-se só passa a ser um estressor juntamente com outros que podem afetar todo o sistema como morte precoce, acidentes, segredos familiares, luto antecipado e morte branca.
Vamos supor diferentes realidades para idoso com a mesma idade, mesma renda, mesma condição física e cognitiva, entretanto são diferentes no que se refere a rede de apoio: um idoso bem quisto pelos familiares, o qual recebe cuidados e carinho; ao mesmo tempo em que outro idoso, viúvo, filhos moram longe, por isso vive sozinho, não tem muitos recursos financeiros e nem afinidades com vizinhos e tem alguns conhecidos, não os considera amigos, não participa de nenhuma entidade religiosa, não tem animais de estimação, ou seja, vive só. Esta realidade existe em muitas famílias e também nas instituições e não há uma solução fácil.
O QUE DIZ A LEI
De acordo com o Estatuto do Idoso, a responsabilidade pelo indivíduo é da família, da comunidade e também do Estado. Ao dividirmos as responsabilidades em relação a moradia e alimentação, ou seja, auxílio para atividades de vida diária pode ser terceirizado para um especialista; entretanto a saúde não pode ser vista somente sob aspecto fisiológico e menos ainda como resultante de ausência de enfermidade. Muitas enfermidades aliás, são decorrentes de sentimentos negativos e reação dos idosos frente às atitudes da comunidade como preconceito e estereótipo. Sendo assim, muitos idosos preferem se recolher e viver sozinhos e sem uma rede de apoio, inclusive familiar, a aceitar tais cuidados. [1]
Família, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, “a família pode ser definida como uma estrutura social que vincula as pessoas, seus membros, em um projeto de vida comum no qual a relação horizontal entre o casal se entrecruza com a relação vertical entre as gerações, tanto descendentes quanto ascendentes. A família não é uma reunião de indivíduos isolados, mas é constituída por pessoas unidas por vínculos específicos. Tais vínculos as constituem reciprocamente como os membros específicos dessa comunidade. A família desempenha papéis que dificilmente se transferem a outros agrupamentos sociais. Além disso, o custo social da transferência de alguns desse papéis é excessivamente alto, em função da abrangência e da intensidade das relações de cuidado e responsabilidade neles implicadas”. [2]
A família pode ser vista como um sistema, que funciona de forma integral e em diferentes subsistemas, ou seja nas relações individuais de cada um para com o seu próximo, seja parental, conjugal, maternal ou de irmandade. Quando um é frágil pode ser determinante ao todo. No caso de rompimento de algum subsistema, pode comprometer os outros e isto ocorre devido às emoções como também a toda história de vida entre eles. [3]
INTERGERAÇÕES
Ter suporte familiar e da comunidade funciona como medida preventiva a uma série de fatores. Ser ouvido e ter as necessidades atendidas é o começo de uma boa relação, seja em qualquer fase da vida, e é primordial na velhice dependente.
O suporte familiar de várias gerações é percebido positivamente pelos idosos, pois apesar dos conflitos existentes, tem a capacidade de regular as reações negativas e utilizar grande enfrentamento aos estressores intrínsecos ou extrínsecos e ainda é capaz de resiliência e adaptação. E ainda, em muitas famílias o idoso exerce papel fundamental no cuidado com o neto e suporte financeiro.
Quanto ao papel do idoso na comunidade, há grandes mudanças quando a exercer papel de trabalhador produtivo para mero aposentado. Ao definir-se aposentado, o indivíduo pode investir em relações mais seletivas e recompensadoras a fim de que sua vida social proporcione bem estar subjetivo. E quando tem suporte externo, o idoso se sente mais capaz, independente de sua função profissional.
Portanto, é fundamental que os indivíduos agreguem ao longo de sua vida boas relações com familiares e amigos para assim, criada uma rede de apoio, possa contar na fase da velhice. E compreender que saúde não se baseia somente em condições físicas, mas sim de um conjunto biopsicossocial importante em todas as fases da vida.
Referências:
BRASIL. Estatuto do Idoso. Brasília, 2013
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/observatorio-nacional-da-familia/politicas-familiares-o-que-sao/natureza-e-caracteristicas-da-familia
NERI, A.L., RABELO D.F. Velhices, temas emergentes nos contextos psicossocial e familiar Alínea – Suporte social a idosos e Funcionalidade familiar