O filme aborda a vida de um senhor viúvo de 70 anos, que vive sozinho desde o falecimento de sua esposa, pois seu único filho e seus dois netos moram longe.
No filme ele parece viver um envelhecimento bem sucedido [1,2], com baixo risco a doenças, suficiente capacidade funcional mental e física e envolvimento com a vida. Porém, a autopercepção do idoso não condiz com esta definição, vejamos o porquê.
Nos primeiros minutos entendemos o senhor como uma pessoa de bem com a vida e estável financeiramente, mas que sentia-se muito inútil em relação ao tempo. Se pensarmos na grande massa que está se aposentando, ele está bem à frente neste quesito, pois planejou sua aposentadoria e não depende financeiramente do filho e familiares para completar a renda.
Estatisticamente, os homens têm uma expectativa de vida menor que as mulheres [3]. Contrário aos números, o senhor vive um envelhecimento normativo, pois parece ter tido uma vida regrada. Com o desenrolar do filme, vimos que ele faz uso de fármacos, mas nada extravagante que o impeça de viver bem. Basta conscientizar de que o uso sem critério pode gerar implicações clínicas e/ou reações adversas graves e irreversíveis.
Pelo fato de manter-se independente em seu lar, uma casa assobradada típica da cidade da Filadélfia (EUA), vários elementos devem ser avaliados, retirados ou adaptados, já que o risco das quedas toma-se grande.
Sensato, ponderado, calmo são características próprias, e não necessariamente ganhos da idade. Durante sua vida trabalhando na fábrica de listas telefônicas, onde ocupou vários cargos, até o de vice-presidente, acostumou-se com rotina, ordem, esforço, reconhecimento e acima de tudo, sentir-se útil. Uma geração que escolhia onde trabalhar e fazia com afinco, a ponto de aposentar na mesma empresa, trabalhando por anos e anos, e não trocava por um mais fácil ou rápido ou lucrativo. A mesma geração que arrumava tudo que quebrava, ao invés de comprar um novo para substituir. Esta geração construiu grandes feitos, inovou em tecnologia, criou profissões, porém falhou em não preparar as gerações seguintes para um cuidado e respeito, assim como o nosso protagonista esperava do seu filho.
Fica evidente quando a sociedade discrimina. As empresas não contratam, a própria família segrega muitos idosos (doentes ou não), cabendo a estes, criar uma defesa se fechando num mundo de depressão e, inconsoláveis até pensar em morte. Como ele mesmo menciona: são muitos funerais que ocorrem, mais do que gostaria. Neste momento, pensando o quanto a vida é efêmera, e vendo partir alguns dos seus conhecidos, cria-se inevitavelmente uma expectativa negativa em relação à própria vida.
Disposto a reavaliar seus relacionamentos, afinal diante de tantas perdas, o filme mostra que as relações afetivas são criadas sem regras, de maneira imprevisível, basta estar aberto a elas.
Ao desenvolver um bom trabalho, com autonomia e fazendo uso da Teoria da seleção, otimização e compensação (SOC) cunhada por Paul Baltes [4], o estagiário esquecido e inútil transforma-se em exemplo aos jovens da empresa, os quais se voltam a ele em busca de conselhos e até mudam algumas posturas culturais de outra geração, como fazer a barba, vestir uma camisa social e conversar pessoalmente com o outro, transmitindo emoção e sinceridade. Em relação a sua jovem chefe então, preocupado que ela possa ser acometida com síndrome de Burnout, ganha confiança a ponto de ser um conselheiro em sua vida profissional e também pessoal.
Nem todos os idosos são iguais, do mesmo jeito que os jovens não são. O filme relata bem essa diversidade. Assim é a complexidade, pois cada um tem um histórico e junto da própria personalidade, formam essa classe muitas vezes generalizada dentro de um só perfil, como se todos que passam da idade cronológica dos 60 anos fossem iguais. Não, eles não pensam igual, não se vestem igual, não se portam igual, não compartilham das mesmas opiniões, nem das mesmas doenças, pois nem isso a senescência indica a todos, pois cada um viveu do seu jeito, teve suas experiências, in/sucessos, e acima de tudo são pessoas, que merecem respeito e viver com dignidade.
Enquanto muitos vivem o relógio biológico do aposentado, o protagonista mostrou que a busca da felicidade está acima das conquistas materiais ou por fatores biológicos, mas que é algo muito mais subjetivo e depende de cada um encontrá-la.
Um filme ótimo, com roteiro inspirador àqueles que já se aposentaram e que passaram por perdas, mas ainda buscam um novo significado para a vida: Direção e Roteiro: Nancy Meyers, protagonistas: Robert de Niro e Anne Hathaway. Distribuído por Warner Bros, 2015.
Referências:
1- https://www.science.org/doi/10.1126/science.3299702
2- https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf
3- https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/dados_morbimortalidade_masculina_brasil.pdf
4- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2006000100005